terça-feira, 7 de abril de 2009

Nada frágil .

Aviso: texto comprido e chato.

mulheroperária

Créditos pela imagem: michal_radassah

Seus olhar se perdia em meio às ruas e casas pelos quais seu ônibus passava. Este, por sua vez, se dirigia sempre pela mesma rota e no mesmo horário. Eram raras as vezes em que o motorista conduzia o carro mais rápido ou mais lento e chegava adiantado ou atrasado.

As pessoas que via pela janela também pareciam sempre iguais e no mais das vezes suas ações tinham um aspecto muito parecido com o que ocorrera no dia anterior. No entanto, ela observava aquilo com os olhos tão vivos que parecia ter sido a primeira vez que via todos aqueles movimentos humanos.

De certo modo já até sentia um pouco íntima de algumas das pessoas que admirava. Lá estava sempre a velha senhora a varrer a parte da calçada ficava em frente a sua velha casa. Tinha também o garoto de uns treze anos que quase todos os dias ficava de namoro com a garotinha de sua idade mais ou menos antes que soasse o sinal para que entrassem na escola. Um senhor com seu radinho de pilha, invariavelmente estava a ouvi-lo, sentado numa cadeira que sempre colocava próxima a uma árvore, que ela não sabia de que era, mas achava lindas as flores que por entre as folhas emergiam.

Paula, o nome de nossa observadora, sentia que tudo aquilo era dotado de energia e como tal seria interessante absorver aquilo. E era assim que fazia. Pois aquelas cenas ficavam guardadas em sua mente e lhe davam um certo otimismo para viver mais um dia conturbado como todos os outros.

Ela trabalhava numa fábrica de peças. Por vezes não era vista com bons olhos por alguns companheiros que achavam que aquilo não era lugar para uma mulher. “Onde já viu?! Desde quando mulher entende algo de mecânica?!” – Dizia um velho que ali trabalhava comentando para alguns de seus amigos também muito preconceituosos. Depois disso a apontava, de modo nada discreto, e dizia: “Pelo menos ela é gostosinha. Eu me divertiria bastante com ela! E vocês? Também transariam com ela?”. Em seguida em meio a muitas risadas alguns afirmavam que sim, outros apenas a observavam com olhos que chegavam a faiscar, tamanho o fogo despudorado que havia dentro deles.

Paula tinha formação como técnica em mecânica e era uma espécie de supervisora da linha de produção da empresa. Por vezes chegava a falar com Pedro, seu superior imediato, sobre a forma pela qual era discriminada dentro de empresa e pedia para que ele conversasse com os funcionários a respeito disso. Pedro sempre dizia que ia conversar com os funcionários ou até que já tinha conversado, mas apenas com o intuito de acalmar a moça. Ele havia trabalhado no mesmo lugar que aqueles trabalhadores antes de galgar degraus na empresa e sabia muito bem que ali imperava um grande machismo. Sabia assim que não adiantaria muito se fosse reuni-los e pedir que a respeitassem mais. Achava que talvez ficasse até pior, pois poderia ofender alguns que julgava como não merecedores de ouvir algo assim.

De certo modo estava até bem certo, pode se dizer. As pessoas costumam ter algum respeito pelas outras apenas quando as vêem sobre o pedestal da superioridade. Na verdade diria que isso não é nem bem respeito, beira muito mais o temor.

Paula era bonita, tinha aspecto frágil e também não era do tipo que ficava a ameaçar seus subordinados. Levava tudo aquilo como uma provação e acreditava que ainda ia conquistar a consideração daqueles com quem trabalhava.

Porém, aquele mesmo velho e um outro rapaz seguiam a importuná-la. Sempre faziam comentários maldosos com os outros funcionários, ficavam de cochichos e risinhos enquanto ela passava, além de sempre se recusarem a cumprir suas orientações.

Um dia ela chegou já meio entristecida na empresa. Uma série de problemas em sua casa estava lhe incomodando. Sua mãe encontrava-se doente e o médico ainda não tinha sido capaz de indicar o problema. Além de tudo enquanto vinha no ônibus, notou que havia um grupo de pessoas na casa da senhora que sempre varria a calçada no mesmo horário. Como a porta estava aberta pôde ver por entre aquelas pessoas uma parte de um caixão ao centro da sala. Logo já imaginou que seria a velhinha. Sentiu-se ainda mais triste. Tanto pela mulher que sempre via ali e sentia uma certa intimidade, quanto pelo medo de também perder a sua mãe a qualquer momento. Naquele dia também não viu o casalzinho enamorado ou o senhor com seu rádio de pilha. Era ainda um dia nublado, daqueles que a gente não costuma ficar muito animado com as coisas.

Já na fábrica o velho e o rapaz, após pedir que executassem um trabalho teriam mais uma vez se recusado a fazê-lo. Além de a ridicularizarem, proferido vários de insultos, além de dizerem coisas que gostariam de fazer sexualmente com ela.

Paula já muito chateada com os dois lhes disse que estavam demitidos. Estes continuaram rindo enquanto ela se dirigia à sala do diretor da empresa para solicitar as suas respectivas demissões. Eram dois funcionários eficientes e não acreditavam que poderiam ser tirados dali por aquela “mulherzinha”.

No entanto, o diretor os chamou e lhes disse que haviam passado dos limites e que se quisessem poderiam até cumprir o restante do dia, mas que por sua vontade era melhor que saíssem de lá imediatamente e só voltassem à empresa para assinar os documentos para suas respectivas demissões.

O velho então saiu da sala aos berros usando todo o seu repertório de xingamentos com o seu jovem amigo ao lado, que por sua vez encontrava-se mais com expressão mais desolada por conta da perda do emprego. Paula ficava ali apenas olhando tristemente para tudo aquilo. No entanto, se estava chateada com a situação sabia que estava fazendo algo correto, pois já estava consciente de que não devia se deixar submeter a todo aquele preconceito que rondava pela fábrica.

Porém, para gente de má índole, como era o caso do velho, essas coisas não ficam apenas encerradas. Ele queria vingança. E chegou a chamar seu amigo para que um dia armassem uma emboscada e abusassem da moça. O jovem, que apesar de também ser um tolo machista, entretanto ainda tinha algo de bom e prontamente se recusou. Achava algo assim inadmissível. E começou a tentar acalmar a cólera de seu companheiro. Entendia que ele só pensava naquelas coisas por causa da situação que era tão imediata e que logo isso passaria.

O velho, que era bastante astuto, deixou então ele pensar que assim era. E até se despediu do outro agradecendo por ter tirado aquelas idéias de sua cabeça.

Traiçoeiro que era, já ao virar a esquina já estava articulando o que ira fazer. Era uma quarta-feira, dia que Paula ficava trabalhando até mais tarde na empresa, por conta de uns relatórios semanais que sempre tinha que entregar no dia seguinte. O velho sabia disso. E se dirigiu por volta das oito horas para a fábrica. Ele conhecia lá muito bem e conseguiu entrar ali dentro sem que a vigilância visse. Esgueirou-se então para um canto escuro que dificilmente o veriam ou o que quer que fizesse. Sabia também que obrigatoriamente ali seria caminho de Paula quando estivesse deixando seu escritório.

Quando ela se aproximou o velho já foi a segurando pelas costas e começou a falar para que ficasse calada, pois ia fazer um “servicinho” pelo qual insinuava ela estar sedenta. Paula, no entanto era mais jovem e mais ágil e conseguiu acertar as partes baixas do homem com o calcanhar. Este por sua vez se afastou gritando de dor e retornou para tentar agredir a jovem.

Ela então passou a mão numa bancada ao seu lado e pegou uma chave de fenda que sabia que por ali costumava ficar. Era uma ferramenta com a ponta afiada, devido à função com que era empregada. E quando o velho já estava praticamente a seu encontro ela acabou espetando sua barriga. Ele então caiu no mesmo momento em que os vigias que ali chegavam, muito tensos depois de terem ouvido toda aquela barulheira..

Chamaram uma ambulância que o levaria para o hospital. Mas já era tarde, ele ia morrer no caminho por causa da quantidade de sangue perdida.

Paula ficou profundamente entristecida com tudo aquilo. Era boa pessoa e não merecia passar por acontecimentos tão bizarros. Porém, mesmo com aspecto frágil tinha uma personalidade forte e apesar de ter demorado alguns meses, conseguiu superar. Também acabaria justamente sendo absolvida das acusações de homicídio uma vez que havia sido um caso de legítima defesa e a própria morte quase que um acidente.

Pouco tempo depois de tudo se acertar, também já estaria de volta ao trabalho para a mesma função que fazia antes. Só que as mudaram. Agora parece haver algum respeito dos funcionários por ela. Pelo menos não questionam suas orientações ou fazem aquelas piadinhas de profundo mau gosto.

Ela se vê satisfeita por isso, mas envolvida em seus pensamentos enquanto está sentada num banco daquele velho ônibus que a traz todos os dias para o trabalho, sempre acaba se perguntando: “Será que o que eles têm é medo?”.

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Fatos:

- Acho que fiquei inspirado para escrever isso aqui depois de ver o filme "A classe operária vai ao paraíso" do diretor italiano Elio Petri.

- Sou doido! Estou com o fone na orelha sem ouvir nada.

- Deu um trabalhinho para achar imagens legais para colocar na postagem, mas consegui. Espero que tenham gostado também.

- São 1:40 da manhã e tenho que acordar as 6:00, pois tenho que fazer estágio numa escola antes de ir trabalhar.

- Estou sem sono para variar. Que coisa não?

mulheresfabrica

Créditos pela imagem: Seattle Municipal Archives

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15 comentários:

  1. Para quem tem mãe, irmã, namorada ou filha, o teu texto "toca no fundo"!
    É uma pena que para algumas mulheres, o respeito só venha dessa forma.
    Um abraço!

    (a história da farmácia, foi real!)

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  2. Não sei se é por estar ouvindo o toque lento de "Imagine" na parte do dia nublado, mas achei o texto todo envolvente. Dá aperto :S

    Ah! E direto também me pego mexendo por uma hora ou mais no computador com fone de ouvido e nenhum programa de áudio ou vídeo rodando o/ Sintomático?

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  3. fone mudo: necessidade de silêncio inexpressa.

    sem sono: oi, bem vindo ao clube!

    sim, você foi inspirado pelo filme!

    :)

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  4. Este é um comentário convite para mais um evento sobre literatura em 18 de abril no Fio de Ariadne.
    Visite o Fio amanhã, 08 de abril e, caso se identifique com a ideia, coloque seu nome na lista e concorra a um livro da Jorge Zahar Editor.

    Abraço

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  5. Nossa, Diego. Me arrepiei com o final dessa história. Muito bem escrita, muito envolvente e verdadeira também.

    E é incrível como existem pessoas como estes homens da fábrica, que diminuem muito a mulher. Mas enfim, vou parar, senão começo a falar de machismo e etc.

    Ri muito com essa história de fone desligado. :)

    Obrigada por pegar o banner do Abóboras. Vou colocar o Soluço Mental lá também!

    Beijão e boa semana! =*

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  6. Tem selo esperando por vc em: http://ingdsilva.blogspot.com/


    Forte Abraço.

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  7. vá dormir direeeito!
    force-seeeee!

    e sim, um pouquinho de medo era com certeza.

    beijo*

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  8. - Sou doido! Estou com o fone na orelha sem ouvir nada.

    eu tive coragem de ler o texto. nao ficou chato, só comprido..e bom por sinal! :)
    tava olhando o da Lilian e vi o teu!

    um beijo :*

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  9. muitooo bom o blog!!!
    super bem escrito..
    pode deixar que eu volto aqui

    ;*

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  10. bacana,porém muito lonfo,endim,p´´e isso aí irmão,passa lá no meu,vc vai se amarrar.
    abraços e boa sorte.

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  11. Olá querido!

    Depois de tanta ausência, cá estou!

    Ouço muitas vezes que para ser respeitado, deve-se dar o respeito. Entretanto, para alguns, essa lógica não funciona.

    O antagonista do seu texto é um exemplo.

    Eu creio que podemos ser nós mesmos sempre, entretanto a forma de lidar com algumas pessoas e certas situações é que deve ser diferenciada, pois nem todos aceitam, por exemplo, um "bom dia" apenas como um cumprimento cordial, percebem aquilo como uma brecha.

    A malícia já tomou conta de seus corações.

    Gostei muito da postagem, pois ela mostrou a força e a capacidade de uma mulher, como vc mesmo citou, nada frágil.

    Kiso!

    PS.: Acho que estou sem o seu perfil pessoal do orkut... cancelei um dos meus profiles, tenho apenas um agora, qualquer coisa me add novamente.

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  12. Muito foda seu texto, ia ser bom se as mulheres se dessem ao respeito, hoje ta na moda eh ser mulher fruta

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  13. Nosssaaa isso que é inspiraçãooo

    que texto mara, criou tudo isso so em assistir o filme haha
    Continui vendo varios filmes viu!
    Poq ai eu vou ter o prazer de me deleitar com suas palavras mara!

    Tava com saudade andei sumidinha poq to mto enrrolada com trab na facul!!!

    Mas t adorooo... amo seu blog
    vc sabe disso né?!
    ;D

    Bjokasss moree

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  14. oooi, passando aqui para retribuir a visitinha e o comentário. Estou de saída, só entrei apara postar e retribuir os comentários. prometo que quando eu tiver mais tempo eu leio esse posto { PROMETO}

    beeijos ;*

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  15. Respondendo a seu comentário

    TEASER, significa trailer do filme, ou sej,é o trailer de OCORRETOR 2, nosso novo filme que está por vir.

    Um forte abraço!
    E muito obrigado pela sua visita!
    Cleiton Guimarães
    www.cgfilmpictures.blogspot.com

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