domingo, 28 de junho de 2009

Mulher...


O batom deslizava... Realçava aquela boca de traços muito vivos e que parecia até ser dotada de magnetismo, pois aquele que a olhasse logo queria por ali se aventurar e já desejava sentir o gosto da saliva contida ali dentro. De fato, eram lábios que despertavam a libido e é bem provável que um romântico, voluntariamente preso em seu parvo universo de faz-de-conta, dissesse que neles conteria o “misterioso néctar dos deuses” ou algo do tipo, mesmo sem jamais tê-los beijado.

Retocava com maquiagem os contornos do restante de face, que não perdiam uns para os outros no que se refere à beleza. Atenta, se olhava no espelho a todo instante. Parecia não estar muito satisfeita. Passava outra vez um líquido para remover o que já tinha feito.

O mais certo era que nem precisasse de se embelezar, mas insistia. Qualquer homem heterossexual diria que estava linda e isso era nítido para qualquer um. Porém, as mulheres, mesmo gostando, não acreditam na superficialidade desses elogios e muito menos que se produziram suficientemente ou que ficaram da forma que desejavam.

Os homens, além disso, apenas vêem os aspectos de todo o conjunto. Não reparam nos detalhes que são tão caros a elas. Não enxergam o novo colar, a mudança sutil na cor do cabelo ou a combinação entre o vestido e os sapatos.

Assim, ela continuava a se ajeitar. Tinha um compromisso e queria estar maximamente estonteante para o felizardo que a encontrasse. Queria ainda que não só ele, mas qualquer um que a encontrasse ficasse tão atraído a ponto de querer vomitar todo o desejo que por ela sentia por não ser capaz de contê-lo.

O cabelo já estava arrumado. Tinha ido a um salão de beleza, onde também ajeitou os pés e mãos.

Olhou-se no espelho mais uma vez. Fez uma careta, mas em seguida gesticulou um sinal de aprovação. Não estava em pleno contentamento, mas era bem óbvio que estava atraente.

Dirigiu-se então ao guarda-roupa. Tinha ali cerca de vinte vestidos. Olhou-os por tempo suficiente para que no relógio o ponteiro dos segundos completasse mais que duas voltas e então decidiu retirar quatro dali. Em seguida provou todos. Não gostou. Mas com o último ainda no corpo, fitou os outros pendurados e viu um promissor.

Parecia ser coisa do acaso, estava ele bem atrás do conjunto que ganhara de sua avó há uns dois ou três anos e que considerava extremamente brega. Experimentou. Este sim! – disse após um suspiro que denotava um misto de alívio e satisfação.

Por baixo do vestido, uma lingerie prateada, colocada com a intenção de enlouquecer o sujeito que viria a se deleitar com seu contornos através do tato e daquela esplêndida visão.

Escolhia agora o que calçar. Decidiu rápido e da mesma forma foi com a bolsa e os brincos. O vestido parecia ser a base para tudo. Depois de tê-lo escolhido, todas as possibilidades de orientar seu visual pareciam já se definirem no seu pensamento.

Fez uma ligação. Pediu para que um tal Carlos a encontrasse na porta do prédio em cinco minutos. Antes de sair verificou se não havia com o que se preocupar. Olhou se o botijão de gás estava com a torneira fechada, se havia comida na gaiola para o passarinho e se não tinha nenhuma lâmpada acesa desnecessariamente. Certificou-se que estava tudo nos conformes e pegou a chave.

Saiu, trancou a porta. Seguiu andando e pegou o elevador.

Olhou para a velhinha que já estava ali e disse “boa noite”. Esta, por sua vez, depois de reparar a forma com que estava vestida e se ater principalmente ao decote na altura dos seios, respondeu, mas não sem uma cara de desaprovação. Ela notou isso, mas pouco se importou. Afinal, pelos trejeitos e pela bíblia que trazia junto à barriga, tinha notado que a tal senhora era evangélica daquelas bem ortodoxas.

A idosa desceu no terceiro andar. Ficou ali só. Ficou admirando as unhas. Gostou do trabalho da manicure. Pensou: “Vou voltar àquele salão”. Chegando ao térreo foi sua vez de sair.

Cumprimentou o porteiro, que ficou lhe admirando e trespassando a língua nos dentes até um bom tempo depois dela se afastar. Chegou à rua. Carlos não havia chegado.

Parecia tensa. Olhou no relógio. 21:39. Nove minutos atrasada. Mas logo, um veículo estacionou bem ao pé de onde estava.

- Desculpa, Flávia. Tive que fazer uma corrida urgente para um cara que ia lá pro aeroporto. Mas acho que tá em tempo ainda, né? Entra aí! – disse o motorista.

- Ah! Tudo bem... Vou ligar. Digo que já estou saindo, ele vai entender. – dizia ela enquanto entrava no carro.

Tirou então o celular da bolsa, digitou um número e o aproximou junto à orelha.

- Oi! Tudo bem, querido?... Olha, desculpa... Eu me atrasei, tá?... Mas já estou saindo... Sabe como é, né?... Mulher demora pra se aprontar... Tudo bem, então... Logo, logo a gente se vê... Só liguei para não deixar você preocupado... Beijo...

Carlos então olhou para o retrovisor perguntou:

- É para aquele lugar no bairro dos grã-finos que a gente foi semana passada mesmo?

- É sim, Carlos...

- Ah, sujeito de sorte aquele. Além de ser rico ainda tá com uma gata igual você...

- Carlos...

- Ah, foi mal. É que tem horas que eu não me controlo... Ainda mais perto de mulher bonita.

- Hummm... Sei, sei... Mas me respeita, o.k.? Sou uma cliente, não se esqueça!

- Melhor eu me calar, né? Assim eu evito falar merda. He-he-he!

- Pois é... Talvez seja melhor mesmo. – disse Flávia, de um modo tão simpático, que em momento algum parecia grosseira.

- Mas beleza. Logo, logo a gente chega.

Seguiu-se então um silêncio só interrompido pelo barulho dos carros que passavam na pista ao lado em direção contrária e cortando o vento. Ela observava a dinâmica da cidade. As luzes, os prédios, gente caminhando, e principalmente os bares. Estes sempre cheios de gente usando o pretexto de que ali estavam para beber para na verdade procurar alguma outra coisa.

Ninguém vai a eles só para isso – iniciava o pensamento. Quem vai sempre procura alguma coisa. Muitos vão atrás de sexo, tantos outros para saírem um pouco da rotina tediosa e alguns simplesmente para conversar. De todo modo, sempre parecia ser algo como refúgio contra a solidão. Se as grandes cidades são reduto de muitos milhares e até de milhões de pessoas, por outro lado elas se sentem tão perdidas que nunca parecem encontrar de fato umas às outras. Por isso, sempre estão a buscar alguém para que se sintam reconhecidas. Às vezes, acham que encontram e se acomodam com isso. Porém, uma hora descobrem que não é bem assim. Todo mundo tem um modo de ser, sendo que por mais que nos engajemos nessa busca do outro ideal, ela nunca se fará. Cada um é cada um, e entre o que se demonstra ser e o que se é, sempre há um vazio maior que de um cânion. Logo ninguém nunca nos compreenderá de fato e tampouco compreenderemos totalmente outro alguém.

Por esses motivos, Flávia não buscava o “par ideal”. Tinha noção de si como mulher forte e decidida. Não tinha tempo para essas bobagens melosas. Daí talvez viesse uma das principais origens da frieza que emanava e era bem perceptível para os que fossem mais atentos, e que por sua vez era bem comum às pessoas que carregam um certo desalento para com a vida...

Sua prioridade era se estabelecer profissionalmente e garantir uma condição social segura. Por isso, jovem que era, se dedicava aos estudos e em pouco tempo estaria formada, inclusive. Projetava então muitos planos.

“Abrir uma empresa. Sair daquele apartamento apertado. Construir uma casa... Fazer...”.

- Hey, Fábia! Já chegou, heim?! Parece que você tá tão longe que nem percebeu... – disse Carlos, sempre um tanto zombeteiro.

- Ahm!? Ah, desculpa... Estava pensando em algumas coisas. Acabei viajando na maionese aqui. Mas, de qualquer forma, eu não me chamo “Fábia”.

- Hehe! É tudo parecido.

- Humpf... Então... Quanto é?

- 42,95 pra você, princesa.

- Hum... Tudo bem... – Disse enquanto retirava da bolsa uma pequena carteira e dali uma nota de cinqüenta.

Enquanto isso, o taxista ficava com a cabeça virada para trás esperando e com o olhar ao mesmo tempo direcionado às mãos da moça que tiravam o dinheiro e os seus seios, que não eram fartos, mas eram bem do tipo que atiçaria qualquer apreciador das formas femininas. Flávia se apercebeu disso, ficou meio desconcertada, mas já estava acostumada com esse tipo de situação. Fez-se de boba. Entregou então o dinheiro e disse:

- Fica com o troco!

- Gracias, querida! Precisando, você já sabe, né? É só me ligar que estou sempre a postos pra você. Até mais! – dizia Carlos, com um ar malicioso, enquanto sem deixar piscar os olhos admirava a moça saindo do carro.

Já de fora ela retribuiu de modo apático o insistente aceno do homem. Estava mesmo era com vontade de xingá-lo. Como era chato, pensava. Só ainda continuava a chamá-lo para ir aos lugares, porque era costume e porque apesar de tudo ele sempre dava um descontinho nas corridas. Mas não continuaria assim... O que ele tirava do preço era uma ninharia visto o desconforto que sua companhia causava. Ia chamar outro já da próxima vez... Afinal, taxista era o que não faltava numa cidade daquele tamanho.

Enquanto pensava nessas coisas, ela rumava em direção ao portão da casa que era seu destino. Tocou o interfone e sem falar nada já ouviu:

- É você, Flávia?

- Sim, sou eu.

Logo se abriu o portão e era possível ouvir a voz dizendo para que entrasse.

Flávia caminhou lentamente apreciando o belo jardim. Chegou a parar um bocado para admirar uma roseira.

Agora que estava praticamente lá, já não parecia ter muita pressa.

Ao pé das escadas que davam à porta principal, estava um homem à sua espera. Bem alinhado, com porte de atleta e na altura de seus quarenta anos. Sorria, bem como aqueles sorrisos pré-fabricados nada caros e que se desenhavam facilmente debaixo dos bigodinhos dos galãs na era do cinema em preto e branco.

- Pensei que nunca fosse chegar...

- Ah... Já saí um pouco atrasada... Te disse na hora que eu liguei... Além de tudo, mesmo nessas horas o trânsito não costuma ser fácil.

- Não importa. O importante é sua presença aqui agora me propiciando essa exuberante e encantadora visão que é a que tenho de sua pessoa – dizia o homem.

- Obrigada, André... Não concordo, mas se é o que diz... – dizia enquanto disfarçava o agrado que sentia ouvindo aquelas palavras açucaradas.

- Pois pode acreditar. É a mais óbvia das verdades – dizia, enquanto estendia a mão para conduzir Flávia pela casa.

Ela já tinha ido ali outras vezes. Mas nunca deixava de se admirar com a arquitetura ou com os belos móveis que não eram poucos.

- Hoje virão alguns amigos meus aqui com suas namoradas. Para exibi-las. Coisa de homem sabe? Essa coisa de concorrer para ver quem é o maior conquistador. Mas tenho certeza de uma coisa: quando a virem se corroerão de inveja.

Flávia olhou meio indiferente. Achava tola aquela atitude. Porém não deixava de se sentir lisonjeada.

Logo eles chegaram. E, como André bem disse, seus amigos, mesmo com as namoradas bem do lado, mal conseguiam se controlar e sempre acabavam a ficar olhando admirados para o corpo e rosto de Flávia. Como sempre ela se apercebia disso, mas deixava transparecer que não.

No seu íntimo achava ridículos todos os homens porque se atinham tanto às suas carnes, que eram incapazes de perceber que nela havia muito mais e que tinha sentimentos. Mas não ficava a se lamentar por isso... Por suas experiências concluíra que os machos, a melhor definição que encontrou para aqueles animais, eram todos assim. Até André que era muito amável, facilmente se revelava tão superficial quanto o restante.

Enquanto isso seguiam todos a se divertirem ali, jogando conversa fora e cada um dos “machos” contando suas peripécias com o intuito de se afirmarem sobre os demais. Vez ou outra se escutava uma gargalhada masculina estridente. Para ela tudo aquilo já se tornava enfadonho...

Até tentara conversar com a namorada de um dos amigos de André. Mas depois de trocarem umas poucas palavras, achou tudo o que a outra falava tão sem graça e fútil que quase ficou enojada e chegou a ponto de sair dizendo que ia ao banheiro e logo voltava. A tal mulher não aguardou e seguiu a fofocar com outras que eram mais de sua espécie. Melhor assim, pois se estivesse a esperar, ficaria assim até o fim dos tempos.

Em meio à “fuga” um homem abordou Flávia. Depois de cumprimentá-la puxou conversa perguntando onde ela e André se conheceram...

- Eu o conheci num bar. Desses da moda... Você sabe... Quando a gente é solteira costuma ir muito a esses lugares.

- Ah, sim... E começaram a namorar já ali? – disse o homem.

- Na verdade, demorou um pouco para a gente começar pra valer. Ele me convidou para sair. Eu aceitei. E assim foi, durante umas três vezes. Aí então rolou um beijo quando a gente saía de um cineminha... E aí resumindo tudo: a gente ficou como está hoje.

- Interessante. Pois digo que André é um sortudo. Pois arrumar uma mulher tão bonita e além de tudo de aparência tão pura não é coisa para qualquer um.

- Ah, obrigada pela gentileza... Senhor...

- Marcelo. Pode me chamar assim. E não me venha com essa de senhor... Eu me sentiria muito mal sabendo que uma gracinha me tem como um velhote.

- Ha-ha! Você é muito gentil e agradável... Marcelo.

- Que nada. Só digo o que é verdade.

- Bem, tenho que sair... A gente se vê por aí no decorrer da noite.

- Espero que sim! – dizia Marcelo, que mesmo com sua noiva nos arredores e tendo André como amigo, observava a moça a se afastar tal qual um bebê faminto anseia receber o leite materno.

Foi assim que ela saiu. Sendo que o mais atento poderia notar que ela ria discreta, e certamente o motivo era por achar um tolo, aquele com quem acabara de falar.

A noite se seguiu tranqüila, apesar de todo o tédio, até a hora que finalmente esse Marcelo e os demais amigos de André saíram e ela enfim se viu quase a só com ele. Ele trancou a porta da frente, disse à empregada que poderia dormir e que se preocupasse com restante da limpeza somente no outro dia. Ela entendeu e se retirou.

Logo ele se sentou no sofá, e chamou Flávia para também se acomodar ali. Ela se aproximou. Ele a tomou em seus braços. Passou as mãos no seu rosto. A beijou. Seguiram-se tantos outros toques. A penetração. Corpos indo e vindo. Posições variadas. E mais idas e vindas dos corpos. Gozo para ele. Ela não sentiu nada de mais, mas fingiu se satisfazer. Um cigarro é aceso e compartilhado. Teve os cabelos afagados por ele e se fingiu sonolenta.

Convida-a para irem ao quarto, dissimulando o fato de queria mais e dizendo que iriam descansar. Ele abre a porta e a joga na cama, gargalha e sobe em cima de seu corpo seminu. Repetem o que fizeram na sala, de forma que ela não era capaz de perceber muita diferença em relação à primeira vez.

Muitos diriam que eu tenha narrado essas cenas fria e mecanicamente. Mas esta foi apenas uma tentativa de adequar o desenrolar dos fatos tais quais eram segundo a percepção que Flávia tinha deles. Pois ela não tinha grandes fantasias e, se não via o sexo como depravação, tampouco enxergava nele algum resquício de amor, cujos nomes, muitos se remetiam como sinônimos. No entanto, não chegava a ser totalmente cética a respeito dessa relação entre ambos (entre amor e sexo). Só que nunca tinha vivido tal coisa para nela ter plena fé. Considerava que era como deus. O qual acreditava desacreditando e de um modo que se nunca teve certeza de que existia, sabia que sua vida seria muito mais triste se algum dia um cientista que não tivesse algo de muito útil para fazer comprovasse que era só coisa da imaginação do ser humano, para que tivesse alguma perspectiva além do estado de podridão que se dá a sete palmos da superfície do solo.

A transa se encerrou. André virou para o outro lado e logo dormiu. Flávia continuou ali deitada e refletindo com o olhar para o teto que nada via devido à escuridão. Pensava daquele jeito que pensamos quando estamos preocupados com tantas coisas e estas ficam a martelar a nossa cabeça, tomam o lugar do sono e por mais que queiramos fingir que não estamos incomodados elas nos atormentam mais que um tenebroso pesadelo.

Com muito custo ela enfim adormeceu. Não que tivesse esquecido as preocupações, mas estas haviam lhe cansado ao seu limite. Não sonhou. Até porque isso lhe ocorria poucas vezes e ainda menos se não fosse em sua cama. Não estava acostumada à de André, apesar de não ser a primeira vez que ali se deitava.

Acordou e olhou para o relógio. 9:00 da manhã. Sobre o criado mudo estava um envelope com dinheiro e junto a ele um bilhete que dizia:

“Querida Flávia, obrigado pela noite agradabilíssima.

Você é a mulher mais linda que há no mundo e é capaz de deixar qualquer um alucinado com um simples movimento.

Enfim, me perdoe por ter saído assim subitamente, mas tinha compromissos lá na empresa.

Deixei o dinheiro neste envelope o qual já deve ter visto. Creio que tenha aí, além do que lhe devo, uma quantia suficiente para que pague o táxi.

Beijos ternos!

André”

Leu com indiferença. Também já estava acostumada a esse tipo de elogios e melhor era pensar que não fossem nada além de galanteios. Sabia como são os homens e de toda sua propensão para a falsidade para garantirem que ocorra o sexo ou que se repita outras vezes. Talvez – pensava – fosse este o motivo pelo qual se explicava o fato de que a maior parte dos grandes poetas fossem do sexo masculino. Afinal, homens inteligentes têm mesmo esse dom de saber dizer belas palavras vazias para agradar.

Além de tudo se não se importava era por ser sensata e ter claro em mente que aquilo nada mais era que trabalho.

Sendo assim não se permitiu qualquer esboço de emoção e se pôs a conferir o dinheiro. Em seguida se vestiu. Era prevenida e trazia um jeans e uma blusa na bolsa.

Saiu então apressada e pegou o táxi que mandou seguir até a faculdade. Com um pouco de sorte no trânsito e destreza do taxista talvez conseguisse lá chegar a tempo e pegasse pelo menos as últimas aulas.



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quarta-feira, 24 de junho de 2009

Crer ou não crer...


Um anjo só é um anjo para quem crê que é anjo. Pois, do contrário por mais que debande em vôo e venha a exaurir o mais belo brilho, não passará de um homem que só aparentemente faz isso. O mais provável é que não passe de um charlatão que utiliza efeitos especiais, um par de asas postiças junto ao corpo e purpurina espalhada em suas vestes.
Por isso, eu creio que por vezes é preferível manter certas coisas sob uma perspectiva fantasiosa. Afinal de contas, se assim não fosse qual graça teriam os mágicos circenses se os víssemos como os ilusionistas manhosos que são? Ou imagine só o quão triste seria ter certeza que de modo algum existe o paraíso e que tudo se finda quando pararem o coração e o cérebro. (Muitas vezes duvido de vida pós-morte, mas sei que seria bem pior ter certeza de que além daqui nada há...).
Se existem psicopatas de almas certamente são os céticos exaltados. Porque se o ceticismo é valoroso para se compreender o mundo, quando demasiado só serve para matar a fé. E fé é o que alimenta a alma.
Não, meu (inha) amigo (a)... Não falo de fé em deus, ou em religiosidade ou qualquer coisa dessa esfera. A fé que falo, mais que tudo se traduz em esperança de algo melhor. Melhor para você, para mim e para o mundo. Afinal, quem não tem esperança no amanhã incorre a abrigar em suas entranhas um algoz que usa a descrença em tudo como arma implacável, que fere a partir de dentro e faz chagas externas invisíveis, mas que se manifestam como dor insuportável a quem as sofre e àqueles que são seus convivas.
De vez em quando ouço alguma palavra de um ateu que se diz convicto de sua não crença. O que já é contraditório por que essa não crença é também uma crença, que por sua vez é uma crença de quem não crê, mas que crê em algo que é a negação de qualquer crença...
São gente muito confusa, isso eu sei...
Acham que vão transformar o mundo se destituírem as pessoas da religiosidade ou da fé. Por vezes chegam a se portar como tolos que se fazem de rebeldes e sábios e que tudo sabem, mesmo quando nada sabem (o que não é raro). Mal parecem saber que o dilema crucial não é o “crer ou não crer”, mas “crer cegamente ou crer de olhos abertos”.
Pois quem crê de olhos abertos não se permite embriagar no ópio, que Marx e Freud diziam ser a religião. Quem crê de olhos abertos percebe o quanto podem ser mentirosas as apropriações mundanas do que é considerado divino, mas também sabe reconhecer as beneficies das crendices que inspiram coisas boas.
E assim, de pouco importa me indagar se Jesus era filho de deus ou não, se teve um caso com Maria Madalena ou se ressuscitou no terceiro, no quarto, quinto ou em dia algum. Também não interessa saber o que é o Nirvana e como Buda o alcançou. Além do que, tanto faria questionar se uma figura mais “mortal”, tal como Guevara, foi um herói ou um psicótico sanguinário.
O que vale mais é tomar para si essas idéias de amor humanitário trazidas por esses homens, e para isso não é preciso cultuá-los ou tê-los como perfeitos. Já que se as ações podem ser errôneas, e no mais das vezes são, mesmo quando parecem ser ideais. A rota que conduz a um objetivo, por mais sublimes que sejam os planos de chegada, quase sempre se revela enganosa e traiçoeira.
Além disso, crucificar os outros por seus erros talvez seja uma forma covarde de tirarmos de nós mesmos os pesos de nossas próprias cruzes... A crítica não pode deixar de ser um exercício constante também para com nós mesmos. Não pode se deter apenas no aspecto negativo das coisas. Não deve ser só desconstrução. A base de uma crítica deve ser, antes de tudo, uma possibilidade para se vislumbrar novos horizontes.
Afinal, quando muito dizemos mal das ações de outrem esquecemos que nós também não conseguimos realizar tudo aquilo que queríamos. Por isso a(s) história(s) da humanidade é (são) assim: grande livro inacabado, onde sempre esquecemos de ler as notas de rodapé, que são mais extensas que o próprio texto... E no qual impera aquele sentimento de que os pesadelos não traduziram o acalento das palavras de bons sonhos que diziam nossas mães para nos fazer adormecer...
Porém só muda a si mesmo e muda o mundo quem ousa enfrentar os perigos desses pesadelos que sabe lá se vão acontecer. Só se realiza algo relevante quando não se teme e não se deixa desacreditar da utopia...
E assim digo sempre aos malditos conspiradores criados ou não por mim: Nunca me impeçam de sonhar, pois um homem sem sonhos pode até biologicamente viver, mas não é muito mais que um ser morto... Vivendo (?) estático e imerso na podridão dos vazios da descrença do seu próprio eu...
P.S.: Isto foi apenas uma quebra no afastamento. Até mais, companheiros!