sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Educação humana sim. Maquinal, não.

Em 1924, o italiano Marinetti ao misturar noções de juventude, cientificismo e tecnicismo, expunha as afinidades entre fascismo e futurismo. Ao ser ver era preciso eliminar os intelectuais que seriam empecilho para o desenvolvimento da Itália - o que chamava de "fétida gangrena de professores".
O contrário disso seria exaltar o futuro, o homem-máquina, o automóvel e a guerra não seria horror, mas poesia. A Primeira Guerra não seria então horror, mas o mais belo poema futurista!
Quando emerge o fascismo na Itália seria então uma oportunidade para tal. Glorificaria-se o homem-máquina, o homem-guerra, o homem másculo e resultado da evolução que sempre caminha sentido o progresso. Mesclaria-se aí a vocação nacional impedida pelos professores, esses intelectuais pessimistas que falam do passado, que falam de questão não da máquina, mas do humano.
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O horror de um governo golpista, de reitorias que emergem vitoriosas com pseudo-noções de cientificismo, de tentativas de eliminação de disciplinas fundamentais para formação de um ser humano autônomo e liberto se confundem em meio aos aspectos que reavivam noções próximas desse "futurismo" no nosso tempo. Uma ode ao tempo presente e futuro, que tentam desvincular o passado como aspecto do que nos faz humanos.
Porém, não existe ser humano, sem história, sem memória, sem criatividade, sem humanidade.
O progresso nada mais que uma canção criada no seio do capitalismo, mas que deve ser negada porque se projeta na prática não como "bem comum", mas um rito contínuo de destruições. Torna-se um monumento daqueles que detêm o poder na sociedade injusta e desigual que vivemos, como forma de assegurar a legitimidade de sua dominação: "Aqui estão os nossos feitos para o sucesso do mundo!". Porém, na contraface desse monumento (remetendo-nos de certo modo a Walter Benjamin) vislumbra-se a barbárie, a miséria, a desigualdade, a injustiça, e o grito que se tenta calar daqueles e daquelas que não querem ser máquinas. Daqueles e daquelas que não aceitam ser robóticos depositários do fascismo em que sua tarefa é construir esse futuro maquinalmente desumano. 
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Na tentativa de impor um currículo para o ensino médio no Brasil em que se coloca como menor em vários sentidos o que é humano essa noção maquinal se faz presente. Pois nesse racionalismo técnico para quem privilegiar disciplinas de Humanidades, se não servem ao que afirmam ser progresso? Para que pensar em estudantes em sua dimensão humana - que às vezes trabalham o dia todo pelas mesmas injustiças promovidas pelo progresso? Para que pensar em professores em sua dimensão humana? Para que pensar a construção de autonomia do ser humano crítico e pensante - sujeito de sua própria história? Para que artes, filosofia, educação física, sociologia? Tudo são dados, são números, são tecnicismos, são coisas, não gentes. Aumentem-se as horas então, se não números! - essa é a lógica do governo golpista, de Aécio e Anastasia e das orientações neoliberais - que a esquerda por muitas vezes se omite a enfrentar de fato. Números! Não gente!
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A palavra de ordem deve ser resistir! Não apenas ao governo golpista! Mas resistir pela dignidade e em nome de um projeto para educação brasileira que seja verdadeiramente humano e não cibernético, mecânico ou maquinal...