Lembro-me do dia que ganhei uma revista de quadrinhos que me deixou com bastante medo. Era uma edição de Batman Anual da Editora Abril. Havia três histórias, se não me engano, e confesso que pela idade (eu tinha uns dez anos) eu não entendi muito bem todas. Principalmente uma que falava sobre o Morcego na Rússia. Àquela época eu não tinha uma ideia do que seria aquela tal URSS que recentemente havia deixado de ser (pelo menos se dizia) um Estado comunista, aliás, é bem capaz que sequer eu soubesse o que era comunismo.
Uma delas, no entanto, havia me deixado profundamente aterrorizado durante muitas de minhas noites. Mais até do que uma capa de uma revista do Fantasma que tinha duas caveiras com diamantes no lugar onde um vivo teria os olhos.
Mas voltando ao que me propus a falar aqui, era aquela uma história que contava a origem de Duas-Caras. Este que figura no rol dos principais inimigos de Batman.
Ao ler aquelas páginas senti medos diferentes. A primeira foi ao ver a face de Harvey Dent (o promotor público que se tornaria o vilão) ser deformada por ácido.
Harvey no decorrer da história ainda não era Duas-Caras. Isso se daria quando finalmente assumisse a outra personalidade oculta dentro de si mesmo.
Quando cheguei ao ponto onde isso ocorria me senti fascinado. Não sei se entendia muito bem qual era a daquele personagem que deixava exposto da forma mais evidente o possível o contraste entre seu lado bom e seu lado mal. Mas reafirmo que achava admirável àquilo.
Hoje, quando aqui me recordo, do alto da confusão de minhas lembranças tenho um parecer que ele lidava com isso de um modo também contraditório para a luta que vivia em seu interior. Pois se para muitos, seu distúrbio poderia ser caracterizado como uma constante violência psicológica para consigo mesmo, por outro lado, ele se utilizava de uma resolução bem objetiva para esse conflito: a própria sorte.
Era lançando ao ar a moeda de duas caras com um dos lados riscados, único presente dado pelo pai, alcoólatra e violento, que decidia a vontade de qual dos seus “eus” que deveria prevalecer. Sei que não decidimos o que fazer em nossas vidas necessariamente deste modo, mas por outro lado, acho que constantemente somos obrigados a reprimir uma boa parte de nossos desejos.
E isso se revela, por exemplo, quando nos sentimos incompreendidos por todos. Afinal, num mundo onde as normas, costumes e instituições definem o que podemos ser, não é incomum se sentir desamparado por nunca se poder ser o que de fato se é.
Mas voltando ao Duas-Caras, creio ainda que ele é ainda um exagero proposital do que seria o maniqueísmo para que ao mesmo tempo este seja negado numa análise mais aprofundada.
Como ele também não somos de todo bons ou maus. Acho que nossos sentimentos não se reduzem a essa perspectiva simplificada. Até porque o que tomamos como “bem” ou “mal” nada mais é que definições que foram se articulando a partir de conceituações dadas por pessoas tão humanas e imperfeitas como qualquer um de nós. E obviamente, se nos lançarmos a uma pesquisa sobre tais termos veremos que eles constantemente foram se ajustando em situações específicas, de acordo com interesses daqueles que estavam no comando de governos, religiões ou em acordo com as necessidades das diversas sociedades.
Não nego que existem atitudes consideradas “boas” ou “más”. Porém pergunto: como assim foram definidas?
Acredito que em alguns casos como necessidade da própria espécie humana, como por exemplo, a rejeição ao homicídio dentro da vida civil. Em outros, devido a identificações culturais, tais como algumas das restrições religiosas. Porém, o tipo mais questionável e muitas vezes perverso é aquele se dá por meio político e / ou ideológico e que serve como instrumento de consolidação do poder.
Isso se vê na atribuição de imagens maléficas para aqueles que manifestam algum tipo de objeção divergente. Cito neste caso, a construção do árabe como inimigo da civilização ocidental, o que é de uma arbitrariedade estúpida. Quem disse que nossa forma de compreender o que é civilização é ideal a todo o mundo? Por sua vez, se os países “civilizadores” tivessem um respeito maior pela diversidade cultural, além de não tentarem garantir a qualquer custo sua lucratividade no Oriente, o mundo não seria um lugar de mais paz?
Freud supunha que todos temos algo de perverso. Porém, não é preciso pensar muito para verificarmos que se manifestássemos essa perversidade a todo instante a vida em sociedade seria impossível. Já pensou se não resistíssemos a nossas pulsões sexuais e a saciássemos quando bem nos conviesse? Ou ainda, se sempre agredíssemos alguém quando sentimos raiva?
Enfim, se existe, prefiro pensar que a bondade resida nestes termos: a capacidade de melhor nos relacionarmos e nos solidarizarmos com os outros e na consequente compreensão de que somos integrantes de uma coletividade. Coisas que são bem difíceis numa sociedade tão individualista e que as pessoas mal compreendem a si próprias. Além do que, se assim ficamos, nos afundamos ainda mais nessa contradição e estranhamento de nossos “eus” e com o que definem como “mau” e “bom”. Sem nunca nos atentarmos que tudo isso nos compõe e nenhuma dessas facetas se cliva ou se exclui.
Talvez ter esse entendimento sirva para que não nos tornemos Duas-Caras enrustidos...
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Não só dois eus, duas-caras, mas sim uma multidão de eus. Escrevi um texto há muito tempo em que eu falava da multidão de eus que existe dentro de mim e suponho que existam nas outras pessoas também.
ResponderExcluirQuando você começou a contar sobre a revistinha e que tinha medo, lembrou do meu namorado, ele sempre me conta sobre esse tipo de coisa. Deu saudades dele.
Mas enfim, acho que não existe essa divisão de pessoas boas e ruins. As pessoas são muito mais complexas para simplesmente serem caracterizadas nessas duas categorias. Por isso eu não assisto novela. Tem sempre a mocinha, a moça má, o vilão, o mocinho. Tudo bem dividido, que de certa forma chega a subestimar a inteligência dos telespectadores.
Porém, concordo com você: existem atitudes boas e ruins. Porque afinal de contas, somos humanos, erramos, acertamos, temos fraquezas,temos nossas qualidades etc.
Por isso também que existem as leis, as doutrinas, o "temor"... Para se manter a ordem, de certa forma e para que o caos não tome conta.
Creio que toda essa coisa de "bom" e "mau" começou com as pessoas que detinham o poder. Mas essa parte sobre história, antropologia dá muito o que falar, então é melhor parar por aqui.
Acho que sim, devemos parar de dar tantos ouvidos aos nossos "eus" e prestar mais atenção às pessoas ao nosso redor. Estamos em pleno século 21! Será que as pessoas ainda não se deram conta disso?
Beijos e uma ótima sexta!
To adicionando seu banner lá tbm... abração!!
ResponderExcluirquando meu irmão era pequeno ele acreditava ser o BATMAN mas se vestia de zorro e queria ser lixeiro kkkkkkkkkk
ResponderExcluirO que precisamos fazer é sempre manter o lado mau sobre domínio, depois da raiva vem a culpa e isso é terrível.
ResponderExcluirAgradeço sua visita e comentário no meu blog.
Tenha um bom final de semana.
é mesmo... é dificl ser totalmente eu hahaha... tipo eu nem sei direito quem sou... a toda hora estou as merce de mudanças de atitudes... conceitos... ao mesmo tempo q digo já não digo fielmente oq queria dizer antes de abrir minha boca.
ResponderExcluirTava com saudadeee de vim aqui
Bjokass e obrigada pelo selo amore
Todos temos "Duas Caras", e nem sempre somos sómente bons ou maus.
ResponderExcluirO importante é não deixar que uma delas prevaleça. Infelizmente, nem todo o mundo consegue.
Definir o teu post como um "belo texto", já está ficando óbvio. Mas o que fazer! É um belíssimo texto, de verdade!
Um abraço.
obrigada pelo selo colega! - ó só, tô na correria para viajar daqui a pouquinho. posso "receber com calma" quando chegar? - sem trocadilhos rss.
ResponderExcluirabraço, Dani.
"Como ele também não somos de todo bons ou maus. Acho que nossos sentimentos não se reduzem a essa perspectiva simplificada. Até porque o que seria “bem” ou “mal” são apenas definições que foram se articulando a partir de conceituações dadas por pessoas tão humanas e imperfeitas como qualquer um de nós."
ResponderExcluirConcordo ineiramente com o que escrevestes no teu blogue. Afinal, pensar assim não é setr relativista, é reconhecer que a vida acontece de várias maneiras, cada uma diferente das outras, embora em alguns momentos até se pareçam. somos assim mesmo: uma ora bons, outra nem tanto...
Boa semana.
Eu nunca entendi muito bem essas estipulações de "certo e errado".
ResponderExcluirDividi essas idéias em inúmeras situações e seria cansativo colocar estas situações aqui, mas acho que, dependendo de certas ocasiões, a bondade e a maldade são coisas muito relativas.
Beijo!
Oláaa querido
ResponderExcluirquero agradecer sua paryicipação no blog, e dizer que a segunda parte ja esta lá!
Beijooos
e até mais
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluiroláaaaa
ResponderExcluirtem um selo pra vc la no Infinito Compartilhado
Passa la depois
beijos t+
Diego, obrigado pelo comentário no meu blog, e que comentário!
ResponderExcluirMe identifiquei quando vc disse sobre a revista do Fantasma... Sabe do que tinha medo quando criança? das revistas do MAD RARARA aqueles desenhos me assustavam muito...
Hj me assusto mais com a queda do rendimento do humor deles rsrsrs
Abraço e parabéns pelo blog, já ganhou um seguidor...
BRUNO
todo mundo tem dois lados ehehe so que tem gente ki um lado prevalece mais do que o outro ;)
ResponderExcluirhttp://www.lucasmarreiros.blogspot.com/
E não é que uma revista em quadrinhos pode nos levar a altas reflexões? Hehehe!!!
ResponderExcluirAquele abraço!