segunda-feira, 15 de junho de 2015

em nós

perambulo em ônibus
e vejo faces tristes
unidas em suas solidões
trafegando em desesperanças
que as isolam entre si

pare o trânsito!
é preciso colher a flor
cessar o tempo
olhar nos entremeios de suas pétalas
no assustador dos vazios de sua beleza

a superfície acomoda
faz respirar fácil o ar
só que soterra nossos templos
faz chão o que há de nós
come nossa paixão de mundo

pare o trânsito!
não deixem que a esmaguem
é preciso tocar a flor
e beijar a flor
deixar crescer e ser

deslizo dedos em seu caule
corto-me em espinhos
e pela epiderme escorre o vinho
e a abertura que se faz pequena
se fará uma marca grande

pare o trânsito!
é preciso amar a flor
ela não está ali no asfalto
está bem dentro de nós
por que queremos ceifa-la?


Uberlândia, 15/06/2015 – 06:05h

quarta-feira, 10 de junho de 2015

ver a gente

eu vejo como bonitas as pessoas
cada uma se criando encantada
no espaço entre a crueza e o delírio da vida
trafegando no infinito desses pontos

não se adianta ser o que não é
nem presta muito ser o que não se quer
é que uma vida vai embora num instante
igual tempo que lágrima desce d’olhos

tudo o que guardo em mim nem sempre ficará
e às vezes jogo no lixo o que não serve mais
é um ritual que faço em mim para carregar
a angústia no peso que consigo as levar

já fui ao lugar onde a dor mais consome
e  aprendi a viver quando tem de viver
deixando ficar quando tem de ficar
e ir embora quando tem de ir

pras pessoas há um sofrer latente
que todo mundo quer escapar
e ninguém quer muito observar
pois é como um espelho de si só

a solidão tem horas que acalenta
e o sorriso por vezes entristece
porque somos feito  grama verdinha
que um boi no amanhecer vai pastar

tudo que se constrói um dia se desfaz
e se o que se grava de algum jeito ficará
a realidade corrói as possibilidades
mas mesmo nessa toada as pessoas continuam bonitas



Diego Leão – 07/06/2015

sábado, 6 de junho de 2015

Memórias Possíveis?

Toda memória é um troço meio machucado. Por trás de cada lembrança mesmo que acompanhada de sorrisos, acaba vindo sempre um sensação de peito se comprimindo. Ficando assim meio apertado.
 A memória que é sempre um pouco invenção faz-se tempo que já não existe mais.  Tal como se ladrasse querendo se salvaguardar pra dizer que somos alguma coisa na vida e no mundo.

Toda memória que predomina em algum lugar efetiva-se enquanto atentado às outras tantas que também querem falar.

Uma memória é o que foi, mas também é o que poderia ter sido. Quantas paixões e quantos amores se tornaram projetos falhos, mas que em algum momento foram possibilidades? Quantas ações poderiam ser apenas sequência de nossos planejamentos sonhados? Quantas vezes as utopias poderiam ter esmagado a tirania daquilo que nos impede de sermos em completude?

A memória é como uma lesma que passeia pelo presente. Insiste em não nos deixar esquecer nossos piores aspectos, nossos piores erros, nossos mais assustadores traumas. Às vezes se torna tão incômoda que o único caminho é ocultá-la. Fingirmos que esquecemos. Porém, quando a escondemos ela cresce mais e torna cada vez mais tenebroso revisita-la. Toma então para si em partes nossa mente lá onde fazemos de tudo para não sabermos como algo que também nos é.

Às vezes a memória é como um encontro. Nela nos percebemos enquanto bichos humanos. Afinal, apenas homens e mulheres são seres no tempo. Apenas nós nos identificamos no passado, requerendo-nos sermos outra coisa no futuro. Nisso a beleza, nisso a lamentação. Porque aí se desvela um castigo, mas que coloca a partir das contradições as chances de redenção.


É que a ousadia de um novo tempo necessariamente haverá de evocar alguma memória. O presente é puro e límpido, mesmo que não o aceitemos como é. Contudo, ele nunca se desvinculará totalmente do que se fez o peso e a leveza de todos os tempos vividos pela humanidade.