domingo, 2 de novembro de 2008

Assim foi a vida...


Crédito pela imagem: Sanadan



Acho que tive uns tantos amores na vida. A primeira delas foi a garotinha gordinha e sardenta do pré-escolar. Um dia eu roubei um beijo dela. Saí correndo. Linda era ela... Eu achava... mas engraçado que depois dela nunca mais gostei tanto de sardas.

Eu era um garoto no próprio mundo de mim... Meu pai colocou meu nome sonhando que eu fosse um talento no futebol: Diego igual ao Maradona. Mas eu sempre fui perna de pau e fazia pesadelo para ele quando dizia que queria ser cientista.

Eu não me lembro muito bem que ciência queria mexer. Acho que era químico. Porque eu achava tão lindos aqueles tubos de ensaio multicoloridos e com fumacinhas esvoaçantes pelo ar. Pensando bem creio que era pra eu ser astrônomo. Era um pouco porque queria ver além dos horizontes, com essas lunetas telescópicas. Era porque eu morria de medo e ao mesmo tempo queria tanto conhecer as vidas de outros planetas que capaz que nem existiam.

Eu também quis ser detetive. E eu tinha meu escritório. Tinha dias que ele funcionava debaixo de um pé de chuchu, no meio da areia. Tinha dias que era debaixo da caixa d'água.
Mas aí vinha meu pai tagarelar que tudo isso era besteira... e nas confusas entrelinhas das palavras faladas podia ler que ele gritava que sonhos a gente não pode ter.

Mas como os não ter se é deles que me faço? Eu ainda lembro bem que por vezes eu nem sabia distinguir a vida de meus sonos de a vida de acordado. Uma vez fiz um enduro com meu velotrol alado em meio à mata selvagem e junto puxava meu chiqueirinho gigante lotado de brinquedos. Como era lindo aquilo... Só lembro que quando chegou no rumo de uma lagoa eu voei. Eu, o velotrol, o chiqueirinho, os brinquedos... nós todos voamos para um lugar lindo demais. Eu nem quis voltar... Pudera eu ter ficado lá pra sempre...

Minha mãe sempre foi doce. Eu lembro que com ela aprendi a ser um pouco mais de gente. Vez por outra, me senti um tanto isolado por ela. Deixado de lado em face do tanto de outra coisa que ela sempre fez. Mas creio que isso foi porque sempre ela acreditou demais em mim... Recordo que uma vez ela me deu um tapa na boca... Ela negra linda fez muito bem. Eu tinha acabado de chegar com meu pai branco do córrego onde nadávamos... cheguei lá em casa todo serelepe reproduzindo piadinhas racistas que dele e de seus amigos ouvi. Minha mãe não hesitou... acho que foi a única vez que me bateu. Eu mereci e nunca me esqueci. Essas coisas são boas de se lembrar pra não deixarmos morrer o algo humano de nós.

Quando eu tinha uns quinze anos ela também colocou as coisas de meu pai lá na garagem. Mandou-o embora de vez... ela mereceu também. Ele podia ter feito de tudo até ali, a traído e ser estúpido a todo tempo, mas aquela vez não tinha perdão. Ela de novo não hesitou... Minha mãe sempre foi assim... tão corajosa e tão doce. Minha mãezinha... desde pequenino a chamei assim.
Sempre que quis um abraço ou o que quer que seja com ela pude contar...
Meu pai não. Sempre quis que eu fosse o que não sou. De uns tempos pra cá ele aprendeu um pouco mais... Ficou muito só. Só eu que com ele falo, e nem me sinto tão livre assim. Nem sei do que lhe chamo... Quando ele me dirijo sempre me perco nas palavras para nomeá-lo. Por pai não pode ser... Seu nome pra mim se confunde com a vaguidão, com a imprecisão da palavra que para quem diz não faz sentido...

Sobre os amores da infância foram uns mais tantos... A garota que me apaixonei por seus lindos olhos e por ter o mesmo nome da sardentinha linda, aquela outra que quando adolescente se perdeu, a orientalzinha que demorei uns tantos anos para a primeira palavra com ela falar... Mas eu nem roubei um beijo dessas... já não era mais como no pré-escolar que se podia cometer esses assaltos e bem simples sair correndo.

A orientalzinha que me partiu o coração. Eu já tinha uns catorze anos. Aquela altura eu já era bem menos tímido que antes. Não era mais o garoto que com uns 9 anos de idade urinou nas calças por vergonha de pedir a professora para ir ao banheiro. Eu já falava com todos de quase tudo, mas tremia de medo de dizer sobre meus sentimentos. Eu os tinha guardado pra mim por tempo demais pra os ficar expondo assim. Maa o que sei é que depois de uns tantos anos amando a orientalzinha de pele tão alva, meu primo descobriu isso. Fez ele eu ligar pra ela e dizer. Eu na hora me tremi todo, queria me esconder dentro do mais recôndido latão de lixo do universo. Emudeci. Daí ele pegou o telefone e contou tudo pra ela... Foi esse o primeiro fora que levei na vida. Doeu um tanto... Acho que foi por isso que depois nunca mais eu gostei muito de falar ao telefone.

Foi a essa altura da vida que eu também comecei a brincar de ser poeta, artista e tudo mais. Eu aprendi que não precisava me privar de sentir. Aprendi a falar e ser um pouco engraçado. Também tive meus primeiros amigos depois de tanto tempo. Eu também os adorava tanto. Tinha estudado com eles a vida toda até ali, mas como eu mal falava a gente sequer nos conhecia de fato. O que tinha acontecido é que do garoto todo tímido, eu então me tornei o típico capeta da sala. O carinha que mais perturbava e que dizia as coisas mais engraçadas. Também fiquei com umas tantas menininhas... Mas desde ali eu já demonstrava que tinha tanto medo do amor. Eu sempre dele fugia. Até quando vinha de encontro a mim.

A garota de olhos verdes que toquei seus lábios pela primeira vez e que mandei as flores que esperava que dissessem algo sobre minha paixão... mas elas nem disseram.

Teve aquela outra que depois de um tempo se tornou lésbica. Ela gostava tanto de mim, mas eu não sabia fingir. Nunca fui bom nisso. Não podia dizer que a amaria assim sem nem a querer do mesmo jeito. Ela era bonita na época. Mas sentimento que é bom não se faz só a partir disso...

Beijei algumas que nem queria assim. Eu não era de molecagens e odiava essa coisa de beijar só por beijar. Mas os garotos de minha idade, meus amigos não entendiam isso. Vez por outra quando alguma menininha se interessava por mim, eles me faziam ir lá. Eu ia tão desajeitado...
Mas no fundo foi uma época boa de amizades... A gente se divertia indo às festas do bairro, da escola... Nosso mundo era ali, não precisavamos ir mais além. Vez por outro fazíamos alguma "pesquisa antropológica" no centro e isso nos bastava.

Acho que todo mundo gostava um bocado de mim. Pena que estava tudo no fim... foi um ano tão bom, apesar de ter pegado recuperação numas duas matérias no fim. Tinha valido a pena. Sei que a causa disso era a confusão de minha vida lá em casa, ser assim foi o único modo que eu encontrei de extravasar. Nenhuma professora sedenta de saber o que havia acontecido conseguiria isso identificar.

Depois foi o tal do ensino médio. Foi uma época tulmutuada da vida. Eu não conhecia ninguém e sentia que as pessoas da outra escola pouco me queriam bem. Quase todos se desconheciam ali e eu me desconhecia mais que todos. Tinha vergonha porque na minha época minhas calças eram tão rotas, tão velhas, tão rasgadas... Eu não gostava tanto de ir lá.

Também não gostava de ir pra casa porque ali sempre encontrava com meu pai a xingar e dizer coisas que eu achava tolas... Eu trabalhava com ele desde meus 8 anos. Ele me ensinou um tanto de coisas boas, a ser mais dinâmico, a datilografar... só não permitiu ser eu. Creio que foi por isso que nunca o perdoei. Sempre tive com ele essa mágoa ebulindo.

Foi nesse ano que minha mãe o mandou embora... eu achei bom. A gente ficou tanto tempo tão pobre, e eu fiquei mais tempo ainda perdido. Faltava um monte de coisa lá em casa. Não era a mesma vida que tinhamos antes. Tive que aprender. Também tive que aprender a trabalhar de verdade e a gostar de estudar... apesar que isso demorou um tempo.

Eu lembro também que quando eu mudei de escola mais uma vez eu não gostava muito de lá. Lá era tudo tão aberto. Era uma tentação para quem gosta de ser livre. Eu não entendia pra que servia esse negócio de escola também pra falar a verdade. Então como tudo era assim tão livre como eu disse, eu aproveitava para fugir. Ia escrever. Eu não gostava muito do que eu grafava no papel, mas me parecia muito mais bonito que lições de história, normas gramaticais e fórmulas físicas e matemáticas.

Eu sei que uma vez quando eu ainda era muito tímido eu também tinha feito algo assim. Eu saí da escola e decidi ir lá pro Barreiro, uns seis quilômetros de onde eu morava em Araxá. Eu escrevi lá um poema que eu nunca entreguei pra orientalzinha linda. Conheci também naquele dia um amigo canino bem gigante com pelo cor de ouro que foi conversando comigo até lá. Saudades de você, meu querido. Você foi quem melhor me ouviu até hoje! Queria abraçá-lo, esteja onde estiver... Eu tinha nessa época uns 12, 13 anos.



Mas voltando a tal da segunda escola do ensino médio. Aquela que não tinha muros e era toda aberta e que me fazia sentir vontade de dali sumir. Eu nunca gostei de lá. A não ser porque ali eu via sempre a tal da orientalzinha. Eu a cumprimentava todo tímido sempre... Só depois de uns tantos anos acho que ela me quis... Mas aí nem eu sentia mais algo. Ficou assim, vez por outra eu a vejo. Só a acho linda, nada mais...

Na escola aberta não me entendiam. Não entendiam que eu precisava me eivar do mundo para viver. Dali eu fui pra uma outra fechada. Fechei-me pra ela também de início. Mas lá sim era aberto. Aberto pros amores e pra felicidade. Eu acho que amei lá umas mil vezes nos três anos que lá fiquei.

Teve a menina que brevemente beijei uma só vez, porque tinha namorado e eu estava envolvido em outras. Teve a outra que se tornou misto de amiga e romance, mas que eu sempre fui o caso a parte. Dela eu gostava de estar junto, mas nunca nos vislumbrava juntos para mais além. Teve também umas outras, mas elas foram coisa de momento...

De verdade mesmo eu só amei duas vezes nesse tempo... Mas não deu certo. Eu sempre fugia do amor de verdade. Eu as amei por um bom tempo, acho que até simultaneamente por uma época. Acho que ainda sentem algo por mim... as vi no mesmo dia da última vez que fui à minha cidade. Confesso que também me balancei. Mas as duas tinham suas vidas já encaminhadas, eu achei mais sensato não bagunçá-las outra vez.

Depois disso acabou, ficou tudo pra lá também... coisa de momento.

Por um bom tempo também me acostumei com as amizades apaixonadas. Essas que chamam de coloridas... Acostumei-me mesmo a não me prender a ninguém. Problema é que as tudo acontece, vez por outra a gente se prende. Daí é procurava alguma escapatória. Sempre era assim...

O que acontece é que cansei de vagar como fugitivo...

Mas se penso agora em me deixar prender, eu quero que seja coisa assim... igual... como de entrelace, sabe? Sem grades nem nada, mas abraçar forte um do outro.

Eu nunca disse muitas coisas pra minha irmã também. A gente brincava junto quando criança, nos divertiamos. Ela sempre mais peralta me sacaneava, pois era bem mais bobão. Eu já a vi subindo na antena de dez metros e rir lá de cima para mim. Eu muito medroso das alturas, o que fazia era chamar minha mãe. Mas quando nós nos tornamos jovens, acho que sempre nos entendemos no que se refere a essência do outro. Brigamos às vezes, mas mesmo com os afastamentos, creio que sempre conseguimos compreender um ao outro. Até naquilo que ninguém soube entender... Reservados em nós mesmos, sempre fomos um tanto parecidos. Vai ver que foi por isso...

Na tal escola fechada, mas que era aberta, também descobri o tal do socialismo. Aprendi a desnaturalizar as coisas... Eu me lembro que chorei quando ali li Brecht pela primeira vez. Foi tão bonito descobrir que o mundo não precisava ser esse. Aposto que ainda tem sinal daquelas lágrimas manchando o papel amarelado do livro... Teve também uma professora que me faz amar história. Ensinou-me que a sociedade se transformava com o tempo e que a gente é que podia fazer isso. Como bem escolhessemos, enquanto humanidade.

Eu achava que ainda seria um grande revolucionário, que iria transformar as coisas. Bastava ter um pouco de bom senso, dedicação e arrumar mais uns dois a fim disso fazer. A gente ia sair discursando em meio a luta e de repente seríamos uns 50 milhões de gentes! Era tão bonito. E além de tudo a gente ia fazer tudo diferente do Stálin. Não precisariamos ser ditadores. As pessoas iriam aderir porque veriam que nossa revolução era cimentada com amor e sonho.

Eu achava que na universidade ia encontrar mais gente pensando em coisas como eu. Quase nunca encontrei. Pelo menos não na vida acadêmica, que pouco nos permite mexer com isso de utopia, de imaginar que outras realidades são possíveis. Fechamo-nos demais e a vida lá fora corre... Corre solta sem parar. A gente fica aqui parado. Rindo deles achando que somos muito sabidos.

Na universidade pouco amei. No mais das vezes a casualidade preencheu esse espaço. Paixões pontuais que morriam ao amanhecer... Estrebuchadas e fogosas se arrefeciam no chão mais rápido que álcool aquecido.

Hoje sinto algo bom por alguém, queria tornar isso amor. Mas às vezes olho para ela, tão linda, e não sei se isso ela também quer. Sei que tenho medo de perdê-la, sendo que sequer temos algum romance de fato. É estranho... Vou me declarar. Não vai ter jeito. Sei bem que creio que ela sabe... É bem óbvio o quanto fico tonto perto dela.

Fui meio besta com ela nos meus movimentinhos românticos também... foram tão tolinhos. Às vezes fico pensando se sou chato demais. Ela também tem uma vida e ninguém precisa deum cara chato caído de paixões lhe torrando... Talvez seja a hora de dar uma sumida. O que é difícil, pois já faz dias que acordo já pensando nela. Vez por outra fico aqui repetindo seu nome, os suspiros cortam cada vez que o digo. Já tentei até umas três vezes me sentir indiferente, que não me importo com ela. Não adiantou muito...

Acho que vou parar por aqui... esse texto ficou bem confuso eu creio. Mas e daí? A vida também não é assim?

Uberlândia, manhã do dia dos mortos do ano de 2010 depois do nascimento de Cristo.