Era ele um louco que sequer se lembrava há quanto tempo que já era louco. Às manhãs saía para qualquer lugar movimentado como a rodoviária ou os terminais de ônibus urbanos. Ali podia sempre encontrar gente para ouvir seus causos.
As reações das pessoas quando ouviam aquelas histórias eram muitas. Alguns de pronto saíam de perto. Outros ouviam até o fim atenciosamente, mas, geralmente, por sentirem pena daquele que julgavam não ter pleno domínio de suas faculdades mentais. Tantos mais gargalhavam e zombeteavam dizendo que não passavam de estúpidas invenções de uma mente insana. Certamente, até mesmo aquela que parecesse a mais nobre das atitudes, sempre era motivada por uma idéia de que a loucura seria um grande mal.
O fato é que apesar de serem engenhosas as palavras daquele homem, de nada tinham valor, pois era ele um louco! E loucos quase nunca são levados em consideração. São tidos como abjetos demais para uma sociedade em que se preza a padronização e a sistematização dos costumes e das ações. Aliás, a própria loucura não seria nada mais, nada menos do que um desvio dos modelos de condutas tidas como legítimas?
Porém nada disso importa. Não importam essas minhas interpretações a respeito do que seria a loucura, ou meus julgamentos acerca de moralidade ou ainda qualquer opinião pessoal. O que deveria fazer seria penetrar na mente de meu personagem que não existe e, pelo menos tentar, a partir disso escrever uma história original e interessante. Pois bem... É o que me porei a fazer, sem, no entanto, me policiar por qualquer digressão que venha a cometer. Alguns vícios, quando se escreve, são quase inevitáveis, tanto mais no caso de um amador, como eu sou.
Para aquele louco, todo dia era um novo dia desconexo do anterior. Não tinha na cabeça essa noção de progressão da realidade que trazemos conosco. Se hoje era dia vinte e seis não teria problema se amanhã fosse dia dois. Tampouco se o mês que precedesse maio fosse outubro. Ou ainda que ano dois mil se desse ao mesmo tempo em que ocorria o ano cinco mil e trezentos e trinta e três. E se ninguém falava de algum mês que desse a seqüência ao décimo segundo, ou de algum dia após o trigésimo primeiro, não hesitava em se situar às vezes no dia quarenta e três de quinzembro.
Deste modo, era quase inevitável o gracejo daqueles que ouviam o modo bastante característico que ele começava suas narrativas, que não raro fazia em cima de um banco situado em lugares, como disse anteriormente, bem cheios de gente. Dizia: “Era trinta e três de quarentembro do ano três antes de depois do dia que Maria concebeu o menino filho de Deus...”.
Na cabeça da gente comum aquilo era hilário e assim logo já desqualificavam aquele homem. Viam-no como um demente coberto por vestes maltrapilhas e que trazia nos pés sapatos sujos e já bem gastos. Além disso, era cômico vê-lo falar daqueles tempos com periodizações absurdas e que nada tinham a ver com aquilo que estavam acostumados a ver nos relógios e nos calendários.
Também pouco interessava o que ele viria a dizer depois. Eram só palavras.... Talvez pudessem até serem tidas como belas se viessem da pena, da esferográfica, da máquina de escrever ou do teclado do computador de um renomado escritor. Mas vindas da boca daquele homem... Nunca chegariam perto do belo trabalho criado por um intelectual e tampouco teriam a graça da legitima poesia.
Mas se era aquele um homem tido como louco e, se as atitudes loucas são muito distintas das ações que se tem como normais, não é de se admirar que ele pouco se importava com alguma aceitação. O artista, o escritor, o poeta, o mecânico, o eletricista, o executivo, a cabeleireira e o músico, por mais que se pretendam inovadores e vanguardistas, sempre buscam alguma aprovação, seja esta advinda de uma só pessoa, de pequenos grupos ou das grandes massas. Já os loucos não têm esse tipo preocupação. Fazem o que fazem porque simplesmente isso lhes deu vontade.
Por isso, dia nenhum ele falhava àquele contar de histórias que tanto o alegrava pelo seu simples fazer. Era uma libertação, talvez não de si, mas tinha esse sentido de alguma forma, pois em sua mente estavam mesmo aprisionados aqueles personagens, lugares e épocas que costumava descrever. Porém, ressalto que não me refiro a essa abstrata e batida concepção que os escritores costumam ter do seu processo de criação. Para ele não tinha esse sentido de “produtos da imaginação”. Tudo realmente se vivificava e fazia parte do universo daquele homem.
Por isso não era raro, quando no meio de alguma história, ele cumprimentasse alguém que os que o observavam não viam, mas se tivessem prestado realmente atenção no que contara em algum momento anterior, teriam percebido que esse estranho “alguém” fazia parte daquele mundo que narrava. Inclusive, quando havia poucas pessoas e essas em face às suas incapacidades de enxergarem aquele qualquer ao qual o homem se dirigia, mas se apercebendo de que delas mesmo não se tratava, encontravam mais motivos de escárnio para com ele.
(Continua...)
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hehehe
ResponderExcluirnão sei não, hein? mas me identifiquei com esse louquinho aí, só que escolhi outro meio para 'narrar' minhas histórias doidas, vim pro universo cyber, talvez aqui esteja mais protegida de ver a reprovação expressa nos rostos que me leem, ou talvez, quase ninguém leia, mas continuo meu palavrório virtual incessante mesmo assim hehehhe
aguardando a continuação ;)
abs
Esperava mais desse texto einh?! hehehe. Não vi nada de muito louco ae, aguardo ancioso pelas outras partes e pelas loucuras de verdade!
ResponderExcluirAbrç!