Imagem: Mathieu Bertrand Struck
Diz se das palavras muitas
coisas. E chego a quase me contentar em segurança que sejam apenas o
veículo com o qual escrevo este texto.
É que por vezes seria bom que tivessem uma fixidez mais
sólida que a dureza estrutural que se pode seccionar a langue e parole. Pois,
afinal, se fossem as palavras enrijecidas como pedra não haveria temor com qualquer
corte que viesse delas.
Mas é que eu gosto... eu gosto do sangue que me extrai a
palavra-navalha, que se corta e recorta e nunca sai na integralidade do meu
pensamento. Porque na palavra eu sempre espero a mais pérfida traição que não é
senão de mim mesmo. E nesse movimento se descortina o meu desengano, o desentorpecer com doses de realidade.
Nesse sentido, cada
palavra machuca e esfacela a realidade, intervêm na ordenação que se inventa
como lógica das coisas. Subverte a obviedade do que se diz natural, com ou sem
a intenção de ser.
A palavra é um gemido que clama o ser para fazer-se humano. É como ambição nunca morrida por uma possível redenção para a vida com similaridade de emoção à de achar doce esquecido durante larica noturna.
A palavra é um gemido que clama o ser para fazer-se humano. É como ambição nunca morrida por uma possível redenção para a vida com similaridade de emoção à de achar doce esquecido durante larica noturna.
Gosto da expressão palavra amiga, apesar dela me deixar
entristecido. Nunca tomei um porre com uma palavra ao meu lado na mesa do bar.
O máximo que fizemos juntos foi elas se confabularem em sons que mediavam o diálogo entre os que se
embebedavam comigo.
Às vezes penso as palavras como se fossem um romance que se coloca ali bem distante. Pairando em mim com sua indiferença. Desenho-as e as
declamo e estão no próximo instante bem fora de mim.
Todo calor que manifesta na palavra que digo num momento de
prazer, jamais terá a mesma temperatura e sabor da pele. Mesmo que as
palavras venham a tocar e a incendiar os desejos submergidos na mente.
Pa-la-vra (junção de sílabas, fonemas): um fragmento de fragmentos que não raro ousa tentar ser o mundo mas que nunca o
será. Que nomeia o mundo. E que por vezes adjetiva-o como imundo a despeito de que para existir tenha de sugar muita coisa da beleza de mundo.
Palavra é um encanto que se joga para se cativarem paixões.
A definição para paixões poderia ser: o momento quando todos os pontos lógicos
da realidade parecem sumir. Contudo, as paixões são contraditórias. Pedem a
todo o momento para se encarcerarem dentro de nós, mas com o tempo rebelam-se e
desmantelam todas as grades que as impedem de se transbordarem em tamanho.
Palavra... soturna e às vezes gentil distorção do acontecido, do que se
viveu. Esse vivido só ganha relevo para o homem ou para mulher, quando alguma coisa pode ser dita.
A neutralidade dos fatos (que são feitos existir) nada mais é que pintura descascada que tenta esconder a imanente dinamicidade da vida.
A neutralidade dos fatos (que são feitos existir) nada mais é que pintura descascada que tenta esconder a imanente dinamicidade da vida.
O ser humano só começa a irromper do casulo para ser libertação
quando se esvai do falseamento de significados da palavra mecânica. O ato da
palavra que antes era simples e até natural vai se fazendo pouco a pouco de
modo a borboletear o que aparecia como a obviedade na forma de um negativo
congelado do real, que agora apenas isso não pode mais ser. Pouco a pouco o ser pode dizer mais e mais que é este o seu mundo e que portanto pode mudá-lo e refazer as relações que o oprimem.
diego leão
Nenhum comentário:
Postar um comentário