A Arnaldo pelo embalo
de piano que segura melancolia e transmuta em alegria..
Andava todo quebrado, espatifado, devia ter vergonha de
andar assim. Não tinha... Era um sujo, mal lavado, cara de tacho, cabeça de
cavalo. Friso: não estava, era... Uma condição de existência.
Era fragmento. O que é solto ninguém quer, porque não faz
sentido. Quem se apega a pedaço só o faz em tempo curto. Ver vida em fatias tem
beleza perecível. Dura enquanto cai bem no sanduíche. Depois logo perde, e se
tiver alguém que se apetece, pode ter certeza, garanto que responde pela
alcunha de Bolor.
Pois bem, tinha então uns 20 anos de fracasso meritório. Trabalhava
qual burro de carga, naquilo que não queria, pra ambição que não lhe pertencia.
Não que fosse nobre, pois se fazia mais e mais restolho de seus desejos de
menino, enxovalhado pelo temor que interrompia a ousadia de alçar planos
possíveis. Tinha sofrimento, que se vangloriava por debaixo do orgulho, pois
que havia sido o único bem que conseguiu comprar com a poupança que ajuntara.
Tinha as vontades na mão esquerda, o medo na direita. E
pensando, hoje, deve ser por isso que lhe ensinaram desde novo a ser destro. Os
veios protuberantes daquele lado que maculavam, desde a pré-escola, como jeito
de gente deseducada e animalesca escrever, denunciavam sub-repticiamente que
eram desague mais denso de sangue que o coração bombeia.
Ser canhoto é compor letras deturpando subversivamente como
se estrutura a forma. Na escola e na família aprendera que certo era seguir bem
retilíneo, pela faixa da direita, evitar a contramão. De preferência dê lugar
sempre pros outros, esqueça o que quiser. Pra você sempre haverá mais tempo, do
que terá para o alheio.
Eram estes os mantras que entoaram para tocar repetitivo no
cantinho obscuro sem que nem se apercebesse e de tanto os ouvir começava a acreditar
que devia com eles conformar.
E o sol queimava sua face chamuscando chicotadas, pra subir
a rua íngreme com carrinho de encomendas com cento e cinco quilos. Era a rotina
que não queria. Esquecera que fora homem, e ao corpo estendia o equino de sua face.
Eis que se tomou por um furor, que não podia controlar. Deixou todas as coisas
e rumou para o escritório. Teria de lhe ouvir. Era desumano trabalhar daquele
jeito. Queria seus direitos. Atravessou a porta com passos batendo forte o
chão, bateu a mão na mesa do chefe. E berrou em alto som: “- Não trabalho mais
assim! Esses sapatos todo furados não me aguentam mais! Eu exijo que calce em
minhas patas agora as ferraduras! Ou amanhã eu não mais volto!”
E então preferiram não calça-lo. Mas se não apareceu ao trabalho no dia seguinte, foi nisso que se deu a salvação.
Dias desses tive notícias... rumina mansamente os prados verdejantes onde mandam os sujeitos que escrevem suas existências em canhoto. Está certo! Deixar de ser direito não podia ser algo que prestasse...
Dias desses tive notícias... rumina mansamente os prados verdejantes onde mandam os sujeitos que escrevem suas existências em canhoto. Está certo! Deixar de ser direito não podia ser algo que prestasse...
ResponderExcluirOlá Diego, obrigado pela visita no blog!
Concordo com o comentário que fizeste, embora o escrito em si, fosse um marco imaginativo e não apenas uma convicção pessoal!
Já aderi aqui tb
Grata!
http://lualibra.blogspot.pt/
Gostei muito deste pedaço, é uma metáfora muito bem conseguida. E há muitos "dextros com a vontade na mão esquerda e o medo na mão direita", sem dúvida!
ResponderExcluirObrigada pela visita aos "Instântaneos", será lá sempre bem vindo! Também voltarei cá mais vezes!
Abraço
Texto maravilhoso, um casulo se preparando para a transformação e sua prosa e tão poética que rima com a música fatidica das linhas de produção.
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