sábado, 27 de outubro de 2012

Meus abris




Tua vida agora tá dividido em dois. Dos vinte anos que tu já viveu. E o pouco tempo que te resta pra viver”.

É sentença dada a Tonho, da família Breves, pelo senhor Ferreira em razão da morte de seu filho, no filme Abril Despedaçado.

Abril é mês estranho para mim. É pouquinho depois do início de meu novo ciclo astrológico. Uma das possíveis origens da palavra é o latim Aprilis, que significa abrir. E, se Vênus abunda em meu mapa astral, Abril é também derivado de Apros, nome etrusco da deusa do amor e em grego antigo derivaria da denominação da espuma marinha que Afrodite teria nascido.

É, para mim, cheio de vida e sofrimento. Muitos meses de abril que vivi me impregnaram lembrança inapagável. Foi neles que minhas duas avós faleceram. Neles que decidi renascer de minhas máculas interiores. Neles que encontrei e sofri paixões.

Por falar em paixões, a sentença dada a Tonho, não se finda aí. É uma privação dessa experiência de amar, de se apaixonar: “Conheceu o amor? E nem vai conhecer...”.

O filme com sua fotografia iluminada, esconde o sombrio, que versa daquele tempo marcado, que se esvai na ampulheta, de areia feita a cor do chão semiárido: “Cada vez que o relógio contar: Mais um, mais um, mais um. Na verdade ele te diz: Menos um, menos um, menos um.”. 

É areia seca, grudada, em gretas de contração, lavada de sangue, secular, de tantos homens morridos e que parece que hão de morrer. A briga nem é de Tonho, mas há ele de ser honrado, como seu pai sempre lhe diz.

Seu pai... homem duro, dono da bolandeira, que os Ferreira deixaram sem terra, sem nada, mas que só tem essa tal honra.  A Tonho resta ao menos cobrar o sangue de seu irmão mais velho já morto, como se fosse obrigação. E, obrigação é pagar com vida, se necessário depois de acertadas as contas. Ao próximo Ferreira cabe também seguir carma-vingança, assassinar a Tonho, que assassinara seu irmão. 

Tonho usa fita preta em ombro  pra sinalizar sua morte: quando for noite de lua cheia e o sangue da camisa daquele que matou amarelar, poderá se efetivar sua sentença.

Tonho tem um irmão vivo, com nome que não se sabe, mas que é chamado de Menino.

Menino sonha com a sereia que o leve pra longe e não entende porque aquilo acontece.  Não lhe é possível entender porque dessa mortandade toda e a ganância expressa na briga de famílias por terra, como lhe diz certa feita o homem do circo. Queria ser peixe do mar, para ficar juntinho da sua sereia, mas o máximo de alcunha que conseguiu foi ser batizado Pacu. Sendo peixe de rio parece restar apenas o desejo inconsumável de cair  pelo destino na imensidão oceânica, pra poder viver amor.

Tonho é jovem de sonho. Se seu pai é homem bruto, que de tão duro faz perder o riso de toda família com a própria gargalhada. Tonho quer viver esse amor que foi sentenciado não viver. Amor que acaba sendo por essa tal sereia, que o Menino ama também em sonho. É sereia de luz na escuridão. É Clara, lampejo luminoso, que vem lhe dar graça e possível redenção. É desabrochar de alegria, de ver em círculo e ciclos rodopiando agarrada à corda, iluminada pelos raios de sol, até eles mesmos caírem. É o que não parece poder dar certo, mas que deveria pra graça da vida, mesmo ela assim escoando através do vidro desenhado.

Mas o Abril chuvoso de sangue não parece poder ter a brancura da lua. Ela é cheia, mas é despedaçada, pois ali morrem possibilidades de vida.  Feito ao ar sufocado pela bronquite que sentia Bandeira da vida inteira que poderia ter sido e que não foi”, dividido em dois ou mais, ou até em estilhaços, Abril é quando as ilusões quedam por peso da realidade. Despedaça-se para os ontens se abrirem em amanhãs, deveras incertos, mas que nutrem a esperança de que esse tal outono que caem folhas, e que mal começou se finde logo, a despeito de saber que na sequência virá inverno, com toda sua dureza...

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